quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010























Sou Afranio do Amaral.

Na sua primeira função, a escrita é para mim uma catarse, um exercício de respiração lenta e profunda, uma obra de teatro sem actor, sem cenário, sem público e sem final, podendo ser, nalgum momento, o seu contrario, ou seja, um espectáculo no que se mostra a mesma vida a fluir pelas veias dum actor, o que escreve, embora ela sempre viva fora da escrita e do corpo de quem a procura escrever. Foi Pier Luigi Pirandello o que diz: " A vida, ou se vive ou se escreve ", frase que havía num caderno que alguém me ofereceu para escrever nele, curiosa perversidade.

Eu escrevo perseguindo a vida ao mesmo tempo que a vida se escapa de mim, eu escrevo procurando a vida, a única coisa que sei que nunca vou perder, escrevo nessa fuga. Eu escreverei sempre, ate o dia em que, totalmente vivo, morra.

Foram os meus escritos, as minhas palavras, num tempo anterior, uma brincadeira. Escrever tornara-se numa espécie de terapia de sedução, um jogo no qual o valor intrínseco do escrito não passava do valor dum bom poema (quando o poema era bom), algo duma pobreza de rés-do-chão, quase de réptil.
No entanto, algumas das minhas palavras levavam dentro de si a essência de mim próprio, algumas foram escritas para existirem em mim como eu mesmo.

Depois o mundo mudou, e eu com ele. Abandonei aquelas praias abandonadas e morri, renasci e voltei-me para a escrita como aprendizagem do meu próprio caminho, para morrer e voltar a nascer. Mais de mil poemas foram o preço a pagar, embora alguns ficassem na minha gaveta para não me esquecer de esquecer, os outros formam parte já daquela morte.

Foi nesta fase que veio a mim Afranio do Amaral, influenciado por um guardador de rebanhos e por um fugido, que adoptou esta personalidade dum cientista brasileiro morto (por acaso especialista em répteis) para caminhar pelos montes fronteiriços entre a Galiza e Portugal e assim sobreviver.

Afranio in-existe, mais é verdadeiro como a natureza. Ele procura sentir as coisas, sejam pedras, árvores, rios ou sentimentos com um sentido real.

Afranio sente que chove sobre ele como se ele fosse a terra, mas só passa por ela, ou talvez nem isso. Afranio, pobre homem sem destino, com princípio e sem fim.

Afranio é eu e também não, porque nem eu próprio sei ainda quem sou, de facto, não sei muito bem qual dos dois escreve estas palavras.



® Afranio do Amaral ?








1 comentário:

mei a do mei o disse...

se os dois partilho

em partes

si >< go




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