
Eu antes de ser já era,
eu já fui quem não sou.
Floresci muito antes que a primavera das flores,
muito antes que a literatura dos povos escrevi,
precedendo aos poemas, à poesia,
a essa indecifrável e inexistente intempérie da alma.
A luz que trago em meus olhos não nasceu neles,
era uma sombra que latejava em tudo o que sabiam que iam ver,
em tudo aquilo que sabia que ia ser visto,
em tudo o que meus olhos ignoravam.
As palavras choradas pelas estátuas dos cemitérios,
suas lágrimas de pedra,
foram ditas por mim antes de nascer a morte.
Nos rios, as árvores e os pássaros,
na água, a terra e o ar,
nos elementos da vida vivo desde muito antes que a vida.
Tudo aquilo que parece intocável,
in substantivo, intangível, etéreo,
tudo o que se acha que não é nem pôde haver sido,
já o era eu antes de ser.
E com tudo,
apesar disso ou talvez por isso,
ainda não chego a ser sendo,
ainda minha voz não se formou,
ainda busco entre as trevas da memória,
da [des-memoria],
do tempo, de seus ritmos e arritmias.
Sim,
procuro,
busco a maneira de ser como era antes,
ser como são as coisas,
como é este agora
e viver em mim para ser o antes do ser de sempre.
Peço ajuda para profanar os templos,
para entrar nos segredos e violá-los,
para divulgar a heresia,
para, definitivamente,
encontrar o caminho, a verdade e a vida.
2 comentários:
é simples é apenas ler
dizer derreter
crer e mover
pelo avesso e ao contrário dos lugares onde antes
nos amarraram e sentaram em bancos e camas fofas de almofadas
[ e a batatas fritas e peixe grelhado
nos fecharam e alimentaram e hereticamente pediram-nos para entregar tudo o que era amar e sabiamos de sempre de amar - que já lá vinha escrito e inscrito e comentado,
[ e não era nada já amar depois
e então ali trocámos tudo o que já sabíamos por nada e assim ficámos irremediavelmente a morrer até ao dia em que acordámos entre a vida e a morte -
- vague antes tubu lares
entre tumbas de circo
nascendo de restos de brincar aos mortos -enferrujados
pequenos fios de memória da verdade no templo mais interior do verbo
no bolso uma mão com dedos um gesto a puxar
medos e medos matéria escura compacta de medo e no entanto nascendo do
sem pre do
sem-pre as-sim poalhados de luz
molhados
do longuíssimo frio gelado
a van çar,
e sorr ir e segur ar e
a van çar e res pirar e
a van ç ar e
do mais profundo ar
do mais antigo fé a pé - pé a fé
os novos passos nus e vazios
[ vazio e virgem da língua à alma e ao in vés
palmo a palmo
re começ ar
~
belo pequeno doc...
[ beber uvas
falar pedras
con fiar
~
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