quarta-feira, 9 de dezembro de 2009



















Afranio conheceu histórias de meninas
que nas aldeias próximas fugiram das suas mães.




Viver num matriarcado, curiosamente,
sempre foi difícil para essas crianças,
o peso de todas as tarefas da casa,
o quintal e as suas obrigas,
as complicadas relações familiares,
a escola e a sua socialização imposta,
o isolamento dos seus sentimentos próprios…




Um dia detivesse Afranio a conversar com uma delas,
e a menina falou-lhe de milagres que ela via,
de poços que falam,
de ecos de sinos,
de pássaros inexplicáveis,
do seu pai a brincar com ela…




Outro dia falou com outra,
e soube de discriminações entre irmãos,
da dor da alma ao receber um golpe com a mão
de quem lhe deu a vida,
da dor das palavras ditas com insidia,
de seu pai a defende-la.



O crescimento e maduração daquelas miúdas,
antecipando a sua personalidade ao seu corpo,
na medida em que estas acostumam crescer paralelamente,
pré-definidamente,
desconcertou um bocado a Afranio,
e a figura do pai, sempre contraposta a da mãe.




Falaram-lhe de tal maneira,
que Afranio quedou o dia todo pensando nisso.
Um dia inteiro de pensamento
dedicado a um só pensamento
não és uma característica comum de Afranio,
ele sabe que quando é assim,
o pensamento tem vida própria.



Afranio, a pesares de ser homem,
percebe bem a essas miúdas.
Ele sabe de fugidas,
de isolamento,
de milagres que não se podem dizer, só sentir,
do afastamento da realidade nas coisas vivas,
do ar que vem nem se sabe donde para abrir a alma.



Afranio não é pai,
mais gostaria de selo
e sabe que se algum dia o é,
a sua filha não fugira da sua mãe,
porque ele não amara a ninguém que não seja como essas miúdas,
e, em parte, como ele mesmo é .









1 comentário:

~pi disse...

tão intenso por fora

e por dentro

que só

posso falar

do

silêncio

[ e sim, talvez um pouco,

embora não saiba porquê,

da erva

molhada na berma

do caminho,

brilhando ao golpe de sol

do inverno-quase,





~