domingo, 29 de novembro de 2009





















Afranio escuta o monótono som
que faz o vento entre as árvores,
ao outro lado do vale,
enquanto vê a suas ovelhas pastar lentamente.



Lembra-se quando o vento lhe falava,
o tempo no qual seu uivar ou seu sussurro
eram palavras ditadas para que ele as escrevesse.



Em uma ocasião, o vento lhe disse um poema de amor,
em um campo que se inclinava para o rio
que descia da sua aldeia por ali abaixo,
Afranio o escreveu.



Durante quatro dias,
Afranio voltou sempre ao mesmo campo com suas ovelhas,
sentava-se na mesma pedra
e escutava o vento.



O vento não voltou a dizer-lhe uma só palavra.



Afranio, naqueles dias,
retornava sempre mais devagar a casa,
esperava um bocado mais além do sol-pôr
para apanhar a suas ovelhas e levá-las ao seu estábulo,
apesar da falta de luz, do frio e do cansaço do dia.



Ele tinha a esperança de voltar a ouvir o vento
ditar-lhe outro poema de amor,
porém o vento permaneceu calado.



Ao quarto dia,
ao voltar a casa,
Afranio acendeu a lareira
e enquanto aquecia a sopa,
abriu o papel no qual escrevera o poema de amor,
aquele que o vento lhe tinha ditado.



O papel estava vazio,
nem uma palavra,
nem um signo,
nem uma mancha,
nada.



Afranio não soube que pensar,
medito um momento,
pegou no lápis e começou a escrever.



A sopa já estava quente,
mas Afranio escrevia.



A noite era tranquila,
não chovia,
não se movia uma folha,
o vento não estava,
mas Afranio escrevia.


Afranio escreveu um poema de amor,
o seu único poema de amor,
ao seu único amor,
que ainda conserva como um de seus poemas mais querido.



Desde então,
Afranio leva uma vez ao mês a suas ovelhas a pastar
ao campo do poema, como ele o chama,
senta-se naquela pedra
e escuta.


Ele sabe que o amor está também no vento.






E Afranio cala,
porque nada do que ele diga,
poderá nunca parecer-se ao poema de amor que lhe ditou o vento,
que foge como ele.








3 comentários:

~pi disse...

um poema basta

para a vida inteira,

um vento,

um único vento,

também,

vento-onde-se-durma

onde-se-esqueça

- descanse,

da mão compacta da noite

vento-lugar

onde se ofereça uma nota de

música

[ cortina-casa-de-lua,

fio-de-pen-durar

es-tre-las,






~

Afranio do Amaral disse...

Pois é , sim.
Eu ate diria que sobra.

Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) disse...

Hermoso poema.

No hay maestro más sabio que el viento.

Él nos empuja, nos mece, nos acaricia, nos batea....nos dicta con su canto nuestros versos.

El viento.......

él sí que sabe.